Vegetarianismo e Reencarnação: a Verdade
Num site de um certo sr. fundamentalista evangélico encontrei, pela primeira vez, um curioso relacionamento entre o vegetarianismo e a reencarnação: os adeptos Hindus do vegetarianismo, o fariam para evitar comer seres humanos que teriam reencarnado como animais. Uma colocação muito peculiar, sem dúvida, ainda mais partindo de alguém que escreveu que "nosso planeta não pode ter mais de 10 mil anos de existencia, pois o campo magnético pregaria todos os seres vivos ao solo!". As confusões do tal "doto", que conseguiu misturar vegetarianismo com reencarnação e força da gravidade com magnetismo foram motivo de muitas piadas na época, nos fóruns de discussão religiosa.
Vejamos o que o "dotô im induízmu" escreveu:
"A doutrina Hindu que ensina não danificar nada vivo (ahimsa) também afirma que "a divindade" está presente em todas as criaturas da natureza, assim não se pode comer um belo filé de vaca, pois correria-se o risco de estar comendo o corpo onde se encontra a avó ou o irmão reencarnado, ou, quem sabe, alguma "forma" da "divindade". Esta é a razão de muitos hindus serem vegetarianos."
Mas vamos voltar à realidade. Vejamos as opiniões de Hindus sobre o vegetarianismo: primeiro, o que disse Mahatma Gandhi, depois, as palavras de Swami Vivekananda.
Em "Autobiografia de um Yogue", no capítulo 44, "Com Mahátma Gandhi em Wardha", li pela primeira vez uma descrição sensata sobre a razão de um Hindu proteger a vaca. Nada como um Hindu descrevendo o Hinduísmo! Nem sequer uma menção à "reencarnação em carne de vaca" insinuada pelo tal dr.:
"- Para mim, a vaca é o símbolo de todo o mundo infra-humano: ela amplia a solidariedade do homem para além de sua própria espécie - explicara o Mahatma. - Através da vaca, o homem é impelido a perceber sua identidade com tudo o que vive. Os antigos ríshis escolheram a vaca para esta apoteose, por um motivo muito óbvio para mim. A vaca na Índia vinha a ser a melhor comparação; ela é que trazia a abundância. Não só dava leite, mas tornava possível a agricultura. A vaca é um poema de compaixão; lê-se piedade neste manso animal. Ela é a segunda mãe de milhões de criaturas. Proteger a vaca significa proteger toda a muda criação de Deus. A súplica dos seres inferiores da criação é tanto mais intensa por não serem eles dotados de fala."
Vejamos o que Swami Vivekananda nos diz:
"Algumas pessoas foram gentis o suficiente para iniciar uma sociedade anti-vivisecção. Eu perguntei a um de seus membros, "Por que voce pensa, meu caro, que é certo matar animais para se alimentar, e não matar um ou dois para experimentos científicos?" Ele respondeu, "a vivisecção é mais violenta, mas os animais nos foram dados para nos alimentar." Unidade inclui todos os animais. Se a vida do homem é mortal, a dos animais também o é. A diferença está apenas em grau e não tem tipo. A ameba e eu somos o mesmo, a diferença está apenas em grau; e do ponto de vista da vida mais elevada, todas estas diferenças se desvanecem. Um homem pode ver um grande grau de diferença entre a grama e uma pequena árvore, mas se voce subir bem alto, a grama e a maior árvore parecerão semelhantes. Então, do ponto de vista do ideal mais elevado, o menor animal e o homem mais elevado são o mesmo. Se voce acredita que há um Deus, os animais e as mais elevadas criaturas devem ser o mesmo. Um Deus que seja parcial para seus filhos chamados homens, e cruel para seus filhos chamados bestas, é pior que um demonio. Eu preferiria morrer cem vezes a adorar tal Deus. Minha vida inteira seria uma luta contra tal Deus. Mas não há diferença, e aqueles que dizem que há, são irresponsáveis, gente sem coração que não sabe o que diz. Aqui está um caso da palavra "prático" usada num sentido errado. Eu mesmo posso não ser um vegetariano fiel todo o tempo, mas eu entendo o ideal. Eu não devo rebaixar meu ideal para o momento atual e pedir desculpas por minha conduta fraca desta maneira. O ideal é não comer carne, não ferir nenhum ser, pois todos os animais são meus irmãos. Se voce pode pensar neles como seus irmãos, voce fez um pequeno progresso em direção à irmandade de todas as almas, para não se falar na irmandade dos homens! Isto é infantilmente simples. Normalmente voce percebe que muitos não aceitam isto, porque é um ensinamento que lhes diz para desistirem do atual, e se elevarem até o ideal. Mas se voce trouxer uma teoria que se reconcilie com a conduta atual, eles a consideram como completamente prática." (Complete Works of Swami Vivekananda, II, pg. 297-298)
Obs.: a citação que Vivekananda fez acima sobre alimentação foi "en passant", ele prossegue suas observações falando sobre religiões que tentam rebaixar Deus ao nível humano, para a satisfação de necessidades momentaneas.
Na pg. 244 do mesmo volume lemos:
As seitas dualistas da Índia são grandes vegetarianas, grande pregadoras da não-matança de animais. Mas sua idéia sobre isso é bem diferente da idéia Budista. Se voce perguntar a um Budista, "Por que voces pregam contra a matança de qualquer animal?" ele responde, "Nós não temos o direito de tirar vida alguma;" e se voce perguntar a um dualista, "Por que voce não mata animal algum?" ele dirá, "Porque ele é de Deus." Aí o dualista diz que "mim e meu" se aplicam apenas e tão somente a Deus; Ele é o único "mim" e tudo é dEle. Quando um homem chega a este estado onde não há "meu e mim", quando tudo é do Senhor, quando ele ama a todos e está pronto até mesmo a dar sua vida pela de um animal, sem qualquer desejo de recompensa, então seu coração será purificado, e quando o coração tiver sido purificado, nele virá o amor de Deus. Deus é o centro de atração de cada alma, e o dualista diz, "Uma agulha coberta por lama não é atraída por um imã, mas tão logo a sujeira seja limpa, ela é atraída." Deus é o imã e a alma humana a agulha, e suas más ações a sujeira que a cobre. Tão logo a alma esteja pura, ela será atraída naturalmente para Deus e permanecerá com Ele para sempre, mas permanecerá eternamente separada. A alma perfeita, se desejar assim, pode assumir qualquer forma; ela será capaz de ocupar cem corpos, se assim o desejar, ou não ter absolutamente nenhum, se o desejar. Ela torna-se quase todo-poderosa, exceto que ela não pode criar; este poder pertence apenas a Deus.
Ninguém, por mais perfeito que seja, pode cuidar do universo; esta função é de Deus. Mas todas as almas, quando se tornam perfeitas, tornam-se felizes para sempre e vivem eternamente com Deus. Esta é a afirmação dualística.
Na mesma obra, Vivekananda diz, no volume IV, pgs. 4-5
(...) Deve-se evitar (de acordo com Ramanuja) todo alimento excitante, por exemplo: carne; não devemos come-la, pois é impura por sua própria natureza. Para obte-la tiramos uma vida. Nós temos um momento de prazer, mas outra criatura teve que perder sua vida para nos dar este prazer. Não apenas isso, mas nós também desmoralizamos outros seres humanos. Seria muito melhor se cada ser humano que comesse carne matasse o animal por si mesmo; mas, ao invés disso, a sociedade tem uma categoria de pessoas que faz isso por ela, e não gosta delas. Na Inglaterra nenhum açougueiro pode fazer parte de um juri, pois a idéia é de que ele é cruel por natureza. Quem o fez cruel? A sociedade. Se nós não comessemos bifes e outras carnes, não existiriam açougueiros. Comer carne só é permitido para quem faz trabalho pesado, e não a quem quer se tornar Bhakta; mas se voces desejam se tornar Bhaktas, devem evitar carne.
Nota: depois disto, Vivekananda prossegue fazendo considerações sobre outros alimentos.
Neste mesmo volume, encontramos nas pg. 486/487:
"Sobre a dieta vegetariana, é isto o que tenho a dizer: - primeiro, meu Mestre era um vegetariano; mas se lhe dessem carne oferecida à Deusa, ele costumava colocá-la em sua cabeça. Tirar uma vida sem dúvida é pecaminoso; mas enquanto não houver comida vegetal disponível, não há outra alternativa exceto o consumo de carne. Enquanto um homem tiver que viver uma vida Rajásica (ativa) sob circunstancias como as atuais, não há outro caminho exceto alimentar-se de carne.
(...) forçar o vegetarianismo para aqueles que tem que ganhar o pão trabalhando noite e dia é uma das causas da perda de nossa liberdade nacional. O Japão é um bom exemplo do que uma alimentação boa e nutritiva pode fazer.
Já Paramahansa Yogananda, em suas lições da Self-Realization Fellowship (S-3 P-68), aconselha seus estudantes a pararem de se alimentar de carne - sem referencia alguma à reencarnação, apenas mencionando as qualidades nutritivas dos alimentos.
Conclusão: Nem sequer uma citação de que comer carne seria igual a algum tipo de antropofagia ou reencarnacionismo canibalista. No lugar dela, um profundo respeito à todas vidas, exatamente o que o fundamentalista negou. Sem mais comentários...