Sexo, Hinduismo e Cristianismo - Primeira parte
Certa vez naveguei num site pseudo-cristão e fundamentalista, onde o responsável pelo site parecia se arvorar em ter uma procuração passada por Jesus Cristo (e com firma reconhecida !), autorizando-o a atacar todas as religiões distintas da sua. Infelizmente, o que o este sr. acabou demonstrando foi sua simples incapacidade de usar a razão para discutir a Verdade, uma vez que seus discursos sempre equivalem a uma tentativa de comparar abóboras com tomates.
Como parte de sua demonstração dos males causados por tal tipo de radicalismo, vejamos uma das aberrações de seu radicalismo, bastou ler o artigo "visão panorâmica do Hinduísmo". Afirmava seu autor: "O primeiro dos objetivos" a que os Hindus deveriam se dedicar "é Kama, o prazer sexual".
Pois bem, jamais encontrei, durante minha longa pesquisa sobre o Hinduísmo, tal menção. Seria bom se o articulista apresentasse alguma fonte concreta para tal declaração, mas ele simplesmente não o fez - e nunca conseguirá fazê-lo.
No índice dos 8 volumes do "Complete Works of Swami Vivekananda", não existe uma única menção a tal palavra! Aliás, se este é o primeiro objetivo da vida do Hindu, esta foi uma ENORME falha (ausência de menção a este objetivo sexual) cometida por TODOS os autores das obras que conheço sobre o Hinduísmo. Naturalmente, o sexo faz parte da vida e existem referencias à palavra "sexo" em alguns dos 8 volumes citados, mas NENHUM dos tópicos discutidos se refere à busca do prazer como um objetivo de vida, como o articulista afirmamava. Muito pelo contrário, trata-se de dominar os instintos naturais e evitar a libertinagem. Ou seja: o que os Hindus escrevem é EXATAMENTE O OPOSTO do que estava escrito.
Obs.: A palavra "kama" surge no glossário de "Talks with Ramana Maharshi", definida como sinônimo de "desejo", "luxúria".
O QUE OS HINDUS ESCREVEM
Agora que já vimos o que a fantasia deste fundamentalista religioso, o que nós REALMENTE encontramos nos escritos de diferentes autores que viveram ou vivem o Hinduísmo sobre o sexo?
Paramahansa Yogananda:
Em "Autobiografia de um Yogue" (best-seller espiritual que está presente em diversas livrarias nos dias atuais), nos é revelado que a mãe do Yogue fez certa vez uma confidencia à sua irmã: seus pais só mantinham relações uma vez por ano, com objetivo de ter filhos. Isto é difícil até de ser imaginado, nos dias atuais! Nos escritos das "Lessons" da Self-Realization Fellowship, o mesmo Yogue recomenda a abstinência como um auxílio no crescimento espiritual.
Ainda em sua Autobiografia, vemos o posicionamento tanto de Yogananda, como de seu mestre, Sri Yukteswar:
Sri Yuktéswar nunca evitou as mulheres nem as culpou de serem causa da "queda do homem". Salientava que também as mulheres têm de se defrontar com a tentação do sexo oposto. Certa vez, perguntei ao Mestre por que um grande santo da antiguidade chamara à mulher "a porta do inferno".
- Uma jovem deve ter lhe transtornado a paz de espírito, quando moço. - Meu guru respondeu causticamente. - Do contrário, teria acusado, não a mulher, mas algum defeito em seu próprio autodomínio.
Se um visitante se atrevia a contar, no eremitério, uma história maliciosa, o Mestre mantinha silêncio irreplicável. - Não permita a si mesmo ser fustigado pelo látego provocante de um belo rosto - dizia aos discípulos. - Como podem os escravos dos sentidos apreciar o mundo? Sabores e aromas sutis lhes escapam enquanto rastejam no lodo primitivo. Todo discernimento está perdido
para o homem afeito à luxúria.
Estudantes procurando fugir à ilusão do sexo, induzida por máya, recebiam de Sri Yuktéswar conselho paciente e compreensivo.
- Assim como a fome, e não a gula, tem um propósito legítimo, também o instinto sexual foi criado pela Natureza, unicamente para a propagação das espécies, e não para manter acesos apetites insaciáveis. Destruam os maus desejos, agora; do contrário, permanecerão com vocês após o corpo astral ter se separado de seu invólucro físico. Mesmo quando a carne é fraca, a mente deveria resistir sem pausa. Se a tentação os assaltar com força cruel, vençam-na por meio da análise impessoal e da vontade indomável. Toda paixão natural pode ser dominada. Conservem seus poderes. Sejam como o oceano em sua vasta capacidade, absorvendo todos os rios tributários dos sentidos. Ânsias sensuais, renovadas diariamente, solapam sua paz íntima; são como fendas num reservatório, que permitem às águas vitais se perderem no solo deserto do materialismo. O impulso dos maus desejos, potente e ativador, é o maior inimigo da felicidade humana. Passeiem como um leão do autodomínio. Não consintam que as fraquezas dos sentidos saltem a seu redor como sapos.
Um verdadeiro devoto termina por se libertar de todas as compulsões instintivas. Ele transmuta sua necessidade de afeto humano em aspiração a Deus apenas - amor solitário, por ser onipresente.
Caio Miranda:
Nos preceitos de Yama e Nyama, traduziu "Brahmacharya" como "não abastardar o sexo", e diz: "A conjunção sexual é um ato divino, pois dele decorre a conservação da espécie humana, possibilitando a nossa evolução. Considerá-lo imoral é ignorância palmar, pois importaria em reconhecer que todos nascemos de uma imoralidade e que nossos pais são consequentemente indignos. Não abastardar o sexo é, em última análise, não comerciar com ele, não vender-se a mulher e nem comprá-la o homem." Obs.: Vários outros autores traduzem "brahmacharya" como "abstinência".
Ramana Maharishi, em "Talks", pg. 12:
D.: Brahmacharya (celibato) é necessário para a realização do Ser?
M.: Brahmacharya é "viver em Brahman". Não tem ligação com o entendimento comum do que seja o celibato. Um verdadeiro brahmachary, um que viva em Brahman, encontra a felicidade em Brahmam que é o mesmo que o Ser. Por que então deveria procurar outras fontes de felicidade? Na verdade ignorar o Ser é a causa de todos os males.
D.: Celibato é um sine qua non para o Yoga?
M.: Sim. O celibato é certamente é um auxílio na realização, entre tantos outros auxílios.
S.: Então ele é dispensável? Um homem casado pode realizar o Ser?
M.: Certamente, pois é uma questão de disposição mental. Casado ou solteiro, um homem pode realizar o Ser, porque ele está aqui e agora. Se não fosse assim, mas pudesse ser alcançado por esforços em algum outro tempo, e se fosse algo novo ou a ser adquirido, não valeria a pena procurá-lo. Porque o que não é natural também não pode ser permanente. Mas o que eu digo é que o Ser está aqui e agora e é único.
"Talks", pg. 143/144:
D.: Como controlar o impulso sexual?
M.: Controlando a falsa idéia de que o corpo é o Ser. Não há sexo no Ser.
D.: Como realizar isto?
M.: Se você se enxerga como sendo um corpo, você vê outros como corpos. Então surge a diferenciação de sexos. Mas você não é o corpo. Seja o Ser real. Então não haverá sexo.
"Talks", pg. 515:
'A' perturbou-se uma vez com maus pensamentos sobre sexo. Ele lutou contra eles. Ele jejuou três dias e rezou a Deus para que pudesse se livrar de tais pensamentos. Finalmente, ele decidiu consultar Sri Bhagavan sobre isso.
Sri Bhagavan escutou-o e permaneceu silencioso por dois minutos. Então disse: Os pensamentos o perturbaram e você lutou contra eles. Isso é bom. Por que você continua a pensar nisso agora? Sempre que tais pensamentos surgirem, considere para quem eles surgem e eles se afastarão de você.
Swami Vivekananda:
"Complete Works", vol. VII, pg. 219
Swamiji: Na mais elevada realidade de Parabrahman, não há distinção de sexo. Notamos tal distinção apenas no plano das relatividades. E quanto mais a mente se torna introspectiva, mais a idéia de diferença se desvanece. Finalmente, quando a mente está completamente consciente no Brahmam homogêneo e sem diferenciações, idéias como "este é um homem" ou "esta é uma mulher" não existem. E mais, se um homem pode ser um conhecedor de Brahman, por que uma mulher não poderia obter o mesmo conhecimento? Eu estava dizendo que se mesmo uma única entre as mulheres se tornasse conhecedora de Brahman, então pela irradiação de sua personalidade milhares de mulheres seriam inspiradas e despertariam para a verdade, e um grande bem-estar surgiria para o país e a sociedade.
Discípulo: Seus ensinamentos abriram meus olhos hoje.
Swamiji: Não completamente, ainda. Quando você realizar a realidade do Atman que ilumina a tudo, verá então que a idéia de distinção de sexo desapareceu, e verá que todas as mulheres são uma manifestação venerável de Brahman. Pudemos ver isto em Sri Ramakrishna: como ele teve esta idéia da maternidade divina em toda mulher, de qualquer casta que ela fosse, e qualquer que fosse seu possível valor. É porque vi isto que eu peço tão honestamente a todos vocês que abram uma escola feminina em todas as vilas e tentem ajudá-las. Se as mulheres forem valorizadas, então seus filhos, por suas ações nobres, glorificarão o nome do país - então a cultura, sabedoria, poder e devoção despertarão nesta terra.
Segunda parte